segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

A Escatologia e as Pré-Compreensões


No capítulo final do livro O Milenio, 3 pontos de vista, o Dr Darrell Bock faz uma magistral análise sobre a escatologia e as pré-compreensões. Segundo ele, pré-compreensões são “idéias teológicas subconscientes que temos como certas, quer as tenhamos examinado quer não” (pg. 247).
No estudo teológico, diria especialmente na escatologia, as pré-compreensões desempenham papel central, o que faz da consciência delas uma matéria de importante atenção. Bock explica que às vezes essas pré-compreensões nos tomam “quase à revelia”. Cremos nelas não pelo exame cuidadoso, mas por uma predisposição, por vezes, motivada por fatores não teóricos.
Alistarei aqui as principais pré-compreensões expostas por Darrell Bock no dito capítulo. Em cada um, farei algum comentário.

1)    Pré-compreensões de simplicidade
Bock demonstra que “podemos estar predispostos a argumentar ou até mesmo sentir que a articulação do plano de Deus, que é o mais simples em sua estrutura, seja a melhor” (pg. 248).
Geralmente, essa é uma pré-compreensão típica em amilenistas e pós-milenistas. A idéia é que, crendo-se no esquema volta de Cristo-eternidade, toda a discussão de uma mega estrutura, típica dos pré-milenistas, é evitada. De fato, não é incomum que se ouça argumentos do tipo “o pré-tribulacionismo é por demais complexo”, ou “prefiro o amilenismo pela sua simplicidade”.

2)    Pré-compreensão da soberania de Deus
Os pós-milenistas, por vezes, parecem supor que a soberania de Deus garante o avanço vitorioso do Evangelho. Textos como Isaías 55:11, que afirmam que a Palavra de Deus não volta vazia, e o texto de Mateus 28:19 parecem ser lidos nessa ótica.
Geralmente, essa pré-compreensão vem à luz quando se faz a típica réplica ao pós-milenista “por que não se vê o avanço do Evangelho?”. O apelo comum é para a soberania de Deus que, se Cristo nos mandou fazer discípulos de todas as nações, sua autoridade soberana garantirá a conquista da comissão.
No final das contas, todas as posições apelam a essa compreensão, pois todas afirmam que o plano escatológico é de Deus e, portanto, depende da sua soberania. Os pós-milenistas é que inclinam-se a igualar a soberania ao avanço do Evangelho e, por isso, essa pré-compreensão é bem mais destacada nesta posição.

3)    Pré-compreensão sobre o gênero apocalíptico
Não sei se concordo inteiramente com Bock de que “as expectativas do que o apocalíptico é” seja, de fato, uma pré-compreensão. É fato que a nossa leitura de Apocalipse depende de nossa compreensão do gênero apocalíptico. Mas parece difícil que alguém que possua uma compreensão da apocalíptica a tenha sem um exame cuidadoso, salvo os que nem sequer sabem o que é este gênero e, por isso, seguem sua intuição na leitura do último livro das Escrituras.
No entanto, Bock, corretamente, demonstra que faz toda a diferença a compreensão de se o livro de Apocalipse seja passado (pós-milenistas), presente em movimentos cíclicos (amilenistas), ou futuro (a maioria dos pré-milenistas).
É extremamente comum que pós-milenistas e amilenistas reclamem com pré-milenistas que sua posição é dependente do livro mais simbólico das Escrituras, e por isso não possui tanta credibilidade. Proporcionalmente, é comum que pré-milenistas reclamem de amilenistas que eles não são “literais” na leitura do texto apocalíptico.
Tudo isso, enfim, é dependente da pré-compreensão do gênero apocalíptico.

4)    Pré-compreensão sobre o tempo de cumprimento
Bock demonstra que no Novo Testamento há textos que parecem indicar a brevidade do cumprimento das profecias, e outros que enfatizam um senso de demora do fim. Pós-milenistas tendem a enfatizar os textos que apontam brevidade, enquanto amilenistas e pré-milenistas tendem a enfatizar o segundo grupo.
Parece-me que esta pré-compreensão é dependente de uma outra: o lugar dos eventos em torno da destruição do templo no ano 70 d.C. É possível que alguém, ao ver o quanto estes eventos encaixam-se no livro de Apocalipse, tenda a enfatizar a brevidade do tempo de cumprimento e abrace uma visão mais preterista. Da mesma forma, é possível que alguém, ao notar a dissonância entre a tribulação do primeiro século e a volta de Cristo “depois daqueles dias”, se apegue aos textos que enfatizam demora no cumprimento.

5)    Pré-compreensão sobre a natureza da eternidade
Eu diria que nenhuma pré-compreensão é tão poderosa quanto esta. Por vezes, uma compreensão grega sobre a natureza da vida eterna está tão historicamente enraizada em determinada tradição, que seus defensores modernos conseguem ler as Escrituras e encontra-la nos textos bíblicos, esquecendo-se que o Novo Testamento é bastante judaico em sua forma.
Esta pré-compreensão diz respeito ao seguinte. É a vida eterna uma realidade celestial, estática e superior ao terreno e material, ou é uma extensão desta vida terrena e física?
Os pré-milenistas acusam os amilenistas e pós-milenistas de possuírem uma pré-compreensão grega e não bíblica de que a realidade celestial é “superior” (platonisticamente falando) ao terreno. Por isso, Deus tem o seu Israel espiritual, sua Jerusalém celestial, um reino no céu.
No entanto, a expensa maioria dos pré-milenistas não estão livres de sua própria acusação. Afinal de contas, a co-habitação milenar de pessoas com corpos glorificados no céu e de pessoas com corpos materias na terra não reflete essa pré-compreensão grega? Eu desconfio, ou melhor, confio que há tanto ou mais do pensamento grego na tradição dispensacionalista do que em em qualquer outra. Por isso, todas as três posições escatológicas estão sujeitas a essa pré-compreensão.

Em conclusão, você pode estar se perguntando: E as questões quanto ao uso do AT no NT, ao lugar de Israel no plano de Deus, e à tipologia não são importantes para a compreensão escatológica? A resposta é sim, mas não são pré-compreensões, são compreensões hermenêuticas específicas. Sobre isso falarei na próxima ocasião.

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