quinta-feira, 14 de março de 2013

A ESCATOLOGIA E A RELAÇÃO ENTRE OS TESTAMENTOS


   
Introdução

Dentro da discussão da escatologia, um dos temas mais decisivos para a escolha de uma posição ou outra é a questão da relação do Antigo Testamento com o Novo. O debate em torno dessa matéria é bem complexo e cheio de opções[1]. Não obstante, tentarei apresentar de maneira suscinta o que esse debate significa e quais implicações para a escatologia. Lembrando que o propósito deste ensaio é meramente elucidar o debate, e não firmar posição.


I.                   O QUE É O DEBATE SOBRE A RELAÇÃO DO ANTIGO NO NOVO TESTAMENTO

A.               O que esse debate não é
1.                 Não significa uma compreensão específica sobre o progresso da revelação.
a)                Todos os evangélicos concordam, ou pelo menos deveriam, que Deus se revela progressivamente e que cada nova revelação traz mais luz sobre o Plano de Deus na história. Por exemplo, é pelo progresso da revelação que sabemos que o “descendente” em Gen 3:15 é Jesus de Nazaré. Por isso, são errôneas as afirmações que dizem que o progresso da revelação favorece uma posição ou outra.
2.                 Não significa que as pessoas na época do NT interpretvam o AT.
a)                Se entendermos a questão do debate da relação do AT com o NT como simplesmente “quem interpreta quem”, então a questão se torna muito simplista. Por exemplo, am Atos 8, Filipe teve que interpretar um texto de Isaías para o Eunuco. Fim de papo, o NT interpreta o AT! Mas é óbvio e indiscutível que o leitor neotestamentário deve interpretar os textos do AT. Portanto, não é com isso que o debate lida.

B.                O que esse debate é
1.                 Esse debate lida com a questão “como os Testamentos estão unidos[2]? Cada vez mais há consenso entre os estudiosos evangélicos que os Testamentos estão organizados em uma estrutura de promessa e cumprimento. Portanto, a questão aqui é: Como as promessas do AT se cumprem no período do NT? Elas são completamente consumadas de maneira espiritual; são cumpridas parcialmente na Igreja, mas esperando um cumprimento pleno futuro; ou elas são todas relegadas ao futuro?
2.                 Várias são as opiniões nesse debate.
a)                Amilenistas e Pós-Milenistas
(1)             Entendem que o AT utiliza imagens transitórias para comunicar uma realidade que só haveria de ser plenamente entendida no NT. Robert Strimple, um renomado amilenista, explica que as bênçãos da Nova Aliança eram compreendidas na Antiga Aliança por meio de “imagens tipológicas familiares aos santos da antiga aliança[3].
(2)             Ou seja, termos como Israel, Trono de Davi, Jerusalém, dentre outros, são, na verdade, imagens que ficaram para trás e deram lugar a uma realidade superior.[4] Assim, tudo o que foi dito acerca de Israel no AT deve ser entendido como cumprido espiritualmente na Igreja.
b)                Já os pré-milenistas não possuem consenso nessa questão. Basicamente, há três visões pré-milenistas quanto ao debate em questão.
(1)             Pré-milenistas históricos, como George Ladd, adotam o mesmo entendimento da posição amilenista. Ladd diz que “O fato é que o Novo Testamento frequentemente interpreta as profecias do Antigo Testamento de uma forma não sugerida pelo contexto do Antigo Testamento[5]. Depois ele confessa que “O Antigo Testamento é reinterpretado à luz do evento Cristo”[6]. No livro em que Ladd disse isso, ele recebeu a aprovação dos participantes amilenistas e pós-milenistas, o que comprova que o pré-milenismo histórico possui a mesma compreensão das demais posições quanto à relação do Antigo Testamento com o Novo.
(2)             Próximos ao pré-milenismo histórico, estão os dispensacionalistas progressivos. Os progressivos concordam com os históricos que existe uma relação de incorporação das promessas do AT aos gentios na Igreja do NT, por causa da igualdade soteriológica advinda em Cristo.[7] No entanto, os progressivos negam que haja uma relação de substituição. Craig Blaising diz que
“o NT não ‘transcendentaliza’ a escatologia do AT. Ele reafirma a realidade e a estrutura básica da escatologia do AT, mesmo quando fornece uma nova revelação sobre o Messias, sobre o cumprimento inaugural de certas características dessa escatologia e sobre características adicionais do padrão escatológico”[8](itálico meu).
Em suma, a posição progressiva entende que o NT possui uma relação complementar com o AT. O NT traz avanços e incorpora as promessas do AT, mas jamais elimina as estruturas básicas destas promessas, complementando-as com novos referentes. Portanto, apesar de que muitas das promessas do AT serem cumpridas de uma maneira incrivelmente inesperada no NT, o próprio NT não elimina seu cumprimento pleno futuro, de acordo com as expectativas veterotestamentárias. Em outras palavras, apesar de que os gentios compartilham das mesmas bênçãos espirituais dos judeus na igreja, isso jamais exclui as promessas ao Israel étnico.
(3)             O dispensacionalismo tradicional entende a relação dos textos do AT com o NT apenas em termos de analogia ou de mera aplicação. Herman Hoyt afirma que
“Embobra o Novo Testamento aplique profecias do Antigo Testamento para a igreja, isto não significa que a igreja deve ser identificada como Israel espiritual. Porém, é apenas uma aplicação meramente com o propósito de explicar algo que é verdade em ambos.”[9]
Portanto, o dispensacionalismo tradicional e o revisado entendem que não existe uma relação de substituição, ou incorporação, mas de simples analogia. Isso faz com que haja uma dicotomia bem estruturada entre as promessas para Israel no AT e as promessas para a Igreja no NT.
3.                 Vamos utilizar um texto chave do NT para demonstrar como cada posição compreende a relação deste texto neotestamentário com o Antigo Testamento. O texto é Mateus 2:15, citação de Oséias 11:1.
Mateus 2:15 – “E assim se cumpriu o que o Senhor tinha dito pelo profeta: ‘Do Egito chamei o meu filho’”.
a)                Amilenistas, Pós-milenistas e Pré-milenistas históricos entendem este texto como um claro exemplo de que o Israel no AT foi recolocado pelo Verdadeiro Israel, que é Cristo. Robert Strimple, comentando esse texto diz “Cristo é o verdadeiro Israel, aquele em quem a história de Israel é passada em revista e em quem os propósitos de Deus alcançam cumprimento[10] (itálico meu). Note como Strimple entende que este texto fornece um padrão, onde Cristo revisa Israel; o que foi dito para Israel, agora é completamente revisto em Cristo. Ladd ecoa esse padrão ao comentar o mesmo texto e afirmar; “Este é o princípio que atravessa a profeia bíblica. O Antigo Testamento é reinterpretado à luz do evento de Cristo”[11] (itálico meu). Este é um exemplo claro, segundo esta posição, onde o NT substitui a realidade do AT, propondo uma nova realidade espiritual, cumprindo espiritualmente em Cristo tudo o prometido a Israel.
b)                Pré-milenistas Dispensacionalistas Tradicionais compreendem este texto como mera correspondência. Michael Vlach discorda do método reinterpretativo acima, e afirma “Acredito que este é um caso, semelhante ao Mat 1:22-23 / Is 7:14, onde Mateus está destacando uma correspondência entre um acontecimento importante na história de Israel e um evento na vida de Jesus para mostrar a forte ligação entre a nação de Israel e seu cabeça Jesus Cristo.”[12] (meu itálico) Como ressaltado acima, estes dispensacionalistas acreditam que de forma alguma as promessas feitas a Israel se cumprem espiritualmente em Cristo. Isso é claramente ressaltado na explicação de Vlach.
c)                Pré-milenistas Dispensacionalistas progressivos buscam um caminho do meio. Concordando com os amilenistas e seus semelhantes, Blaising diz que “o NT apresenta Jesus como o Cristo, o Rei de israel, em que a história da nação é ‘recapitulada”[13] Mas interessantemente ele concorda com o grupo de Michal Vlach afirmando que “não há nenhum pensamento de que Israel, como entidade nacional, tenha desaparecido do plano escatológico de Deus”[14] Isso acontece porque os progressivos entendem que, de fato, o NT incorpora as promessas do AT em Cristo. Mas esta incorporação traz um avanço ao AT, mantendo sua estrutura ao mesmo tempo que acrescenta um novo elemento a ela.


C.               Gráfico
POSIÇÃO
COMPREENSÃO SOBRE O RELACIONAMENTO DO AT COM O NT
Amilenismo, Pós-Milenismo e Pré-milenismo histórico.
O Novo Testamento cumpre espiritualmente as promessas feitas a Israel em Cristo, o verdadeiro Israel.
Pré-milenismo Dispensacionalista Progressivo
O Novo Testamento já cumpre promessas feitas no AT na Igreja, mas isso não elimina o cumprimento pleno futuro.
Pré-milenismo Dispensacionalista Tradicional.
O Novo Testamento não cumpre as promessas feitas no AT na Igreja. A Igreja possui suas próprias promessas feitas no NT. As promessas feitas a Israel se cumprirão no futuro.


II.                AS IMPLICAÇÕES DESTA QUESTÃO PARA A ESCATOLOGIA

A.               Implicações para a Questão do Milenio.
1.                 Para amilenistas e pós-milenistas.
a)                A relação sombra e realidade exlui a necessidade um reino terreno futuro após a vinda de Cristo. Já que as promessas feitas a Israel se cumprem todas na Igreja, o Novo Israel, não há necessidade de cumprimento futuro milenar.
b)                O debate entre amilenistas e pós-milenistas torna-se, então, um debate interno sobre como estas promessas são cumpridas antes da vinda de Cristo, ou mesmo depois, nos Novos Céus e Nova Terra.
c)                Essa compreensão de substituição quanto a relação entre os testamentos carrega fortíssima influencia para a interpretação de Apocalipse 20. O texto não pode se referir ao futuro, já que o reino é presente. Por isso, os defensores destas posições são levados a procurar uma explicação bíblica para a prisão de Satanás e a ressurreição dos crentes como eventos da presente época, e não do futuro.
2.                 Pré-milenistas históricos
a)                Defendem a crença no período milenar com base, quase que exclusivamente, em Apocalipse 20:1-6.
b)                Ladd, em sua apologia ao pré-milenismo, defende o cumprimento atual das promessas do AT da mesma maneira que amilenistas e pós-milenistas, mas é persuadido pela exegese de Ap 20:1-6 e, então, abraça o ensino milenar.[15] Pode-se dizer que a única diferença, então, entre amilenistas e pré-milenistas históricos é a interpretação de Apocalipse 20:1-6, aqueles interpretanto-o como presente, estes como futuro.[16]
3.                 Dispensacionalistas Progressivos
a)                Seu entendimento da relação entre os testamentos força-os a abraçarem o ensino de um reino milenar futuro com ênfase especial a Israel. Se o NT não elimina a estrutura montada no AT, então o milenio será o palco onde essa estrutura ocorrerá.
b)                A grande diferença destes dispensacionalistas para os demais é que, ao aceitarem a incorporação das promessas na Igreja, o milenio não é visto como um retorno ao sistema sacrificial, nem como um período onde a Igreja estará no céu, e Israel na terra. O milenio apresenta sim a estrutura estabelecida no AT, mas com todos os complementors  incorporadas no NT. Assim, o DP vê textos como Atos 1:6, Romanos 11 e Apocalipse 20:1-6 como bases sólidas para a crença milenar.
4.                 Os Dispensacionalistas Tradicionais e Revisados
a)                Também são forçados por sua crença na relação do AT com o NT a abraçarem a crença milenar. Para eles, se as promessas feitas a Israel não se cumprem na era da Igreja, então se cumprirão no milenio. A Igreja é vista como um parêntesis no plano de Deus. Ao final do parêntesis, Deus cumpre suas promessas a Israel no reino milenar.
b)                Defensores dessa posição apenas discutem sobre os detalhes do que acontecerá no milenio, em como haverá o retorno à Terra Prometida, o estabelecimento da Nova Aliança, o retorno ao sistema sacrificial no Templo de Ezequiel 46.
c)                Estes dispensacionalistas, diferentemente de pré-milenistas históricos e dispensacionalistas progressivos, encontram o reino milenar ensinado em várias passagens do AT e do NT.

B.                Implicações para a Questão do Arrebatamento
1.                 O entendimento da relação do AT com o NT tem forte influencia também na compreensão de como será o arrebatamento da Igreja.
2.                 A forte dicotomia feita por dispensacionalistas clássicos e revisados força-os a entenderem a vinda de Cristo em duas etapas, uma para a Igreja, em cumprimento das promessas do NT, e outra para Israel, em cumprimento das promessas do AT. Este período é separado pela tribulação de sete anos, profetizada em Daniel 9. Por isso, estes dispensacionalistas são, necessariamente, pré-tribulacionistas. Assim, se o AT não se cumpre na Igreja, então a Igreja possui sua própria escatologia, revelada no NT.
3.                 Dispensacionalistas progressivos, por abraçarem a idéia de que as promessas feitas no AT já se cumprem parcialmente na Igreja, estão livres para serem ou pré-tribulacionistas[17], ou mid-tribulacionistas[18] ou pós-tribulacionistas[19]. A razão que força os demais dispensacionalistas a abraçarem o pré-tribulacionismo (a distinção das promessas do AT e do NT) não existe para os progressivos, pois o NT incorpora estas promessas na Igreja. Sendo assim, a tribulação, apesar de ser um período onde Deus tratará com Israel, também pode ter sido incorporada à escatologia da Igreja.
4.                 Para amilenistas, pós-milenistas e pré-milenistas históricos a questão do arrebatamento não gera discussão pois o entendimento destes da relação do AT com o NT exigem a crença no arrebatamento no momento da Segunda Vinda.

Conclusão

Como dito inicialmente, a questão da relação entre os testamentos é tomada de opiniões e tem ocupado um bom lugar nos estudos academicos atuais. Não obstante, é de extrema importancia que o aluno saiba bem a relação íntima entre este campo e o da escatologia. Espero que este ensaio tenha contribuído neste processo de aprendizado.
Antes de finalizar, é preciso duas palavras que são, na verdade, dois conselhos: Primeiro, as complexas variedades no debate sobre a relação entre os testamentos e sua relação com a escatologia deve alertar ao aluno a ser bem reticente e lento na definição de sua posição escatológica. É comum que estudantes de teologia escolham os campos da soteriologia e da escatologia para “marcar seus territórios” teológicos. Na escatologia, isso deve ser feito com muito mais lentidão, visto as enormes complexidades envolvidas nesta matéria. Por isso, corra na soteriologia, engatinhe na escatologia.
Segundo, estude escatologia mais pelo viés da Teologia Bíblica, e menos pela Teologia Sistemática. A compreensão das últimas coisas é dependente de uma série de idéias que são estabelecidas na Teologia Bíblia, como a própria relação entre os testamentos. O aluno que tem o seu primeiro contato com a escatologia por meio de livros de Teologia Sistemática, e mantém o contato nesta matéria, correrá o sério risco de possuir um conhecimento sem a compreensão de suas pressuposições, findando por possuir uma crença baseada em textos-prova, argumentos prontos, e não em sólida exegese e compreensão teológica.
Espero, com sinceridade, ter dado alguma contribuição ao crescimento teológico e espiritual do leitor.
Em Cristo.
Ut In Omnibus Glorifecetur Deus

BIBLIOGRAFIA
BOCK, Darrell (ed.). O Milênio, 3 pontos de vista. São Paulo: Editora Vida. 2005
________________. Evangelicals and the Use of the Old Testament in the New part 1, BSac 142:567 (Jul 85)
CLOUSE, Robert. The Meanning of the Millennium. IVP
HULTBERG, Alan (ed), Three Views ob the Rapture. Grand Rapids: Zondervan, 2010
VLACH, Michael. Uso do NT do AT Parte 13: Mat 02:15 / Os 11:01  e a Correspondência Divina entre Israel e Jesus. Em http://theologicalstudies.org/resource-library/nt-use-of-ot/386-nt-use-of-ot-part-13-matt-215hos-111-and-divine-correspondence-between-israel-and-jesus. Acesso em 20/02/2013


[1] Veja o excelente artigo BOCK, Darrell L. Evangelicals and the Use of the Old Testament in the New part 1, BSac 142:567 (Jul 85) p. 213 . Veja também um ensaio sumariado do Pr Romulo Monteiro em http://romulomonteiro.blogspot.com.br/2008/10/relao-entre-antigo-e-novo-testamentos.html.
[2] BOCK, Darrell (ed.). O Milênio, 3 pontos de vista. São Paulo: Editora Vida. 2005. Pg. 253
[3] STRIMPLE, Robert. O ponto de vista amilenista. Em BOCK, Darrell (ed.). O Milênio, 3 pontos de vista. São Paulo: Editora Vida. 2005. Pg. 76.
[4] Strimple desenvolve dizendo que no NT Israel é Cristo, Canaã é “todo o mundo, céus e terra restaurados”, Jerusalém é a presença de Deus, o reino de Davi é o reino celeste atual e Cristo é o verdadeiro templo.
[5] LADD, George E.. The Historic Premillennialism. Em CLOUSE, Robert. The MEanning of the Millennium. IVP. Pag 20.
[6] Ibid. pg 21
[7] BOCK, Darrell (ed.). O Milênio, 3 pontos de vista. São Paulo: Editora Vida. 2005. Pg. 254
[8] BLAISING, Craig. Réplica à posição amilenista. Em BOCK, Darrell (ed.). O Milênio, 3 pontos de vista. São Paulo: Editora Vida. 2005. Pg 130
[9] Herman A. Hoyt. Pré-Milenismo Dispensacionalista em CLOUSE, Robert G. Milênio: significado e interpretações. Campinas: Luz para o Caminho, 1990, p. 43.

[10] STRIMPLE, Robert. O ponto de vista amilenista. Em BOCK, Darrell (ed.). O Milênio, 3 pontos de vista. São Paulo: Editora Vida. 2005. Pg 78
[11]  LADD, George E.. The Historic Premillennialism. Em CLOUSE, Robert. The MEanning of the Millennium. IVP. Pg 20
[12] VLACH, Michael. Uso do NT do AT Parte 13: Mat 02:15 / Os 11:01  e a Correspondência Divina entre Israel e Jesus. Em http://theologicalstudies.org/resource-library/nt-use-of-ot/386-nt-use-of-ot-part-13-matt-215hos-111-and-divine-correspondence-between-israel-and-jesus. Acesso em 20/02/2013
[13] BLAISING, Craig. Réplica à posição amilenista. Em BOCK, Darrell (ed.). O Milênio, 3 pontos de vista. São Paulo: Editora Vida. 2005. Pg 132.
[14] Ibid. pg 132
[15] LADD, George E.. The Historic Premillennialism. Em CLOUSE, Robert. The Meanning of the Millennium. IVP
[16] Há outras diferenças também, como a interpretação de 1 Coríntios 15:23-26, mas elas não são tão relevantes aqui.
[17] BLAISING, Craig. A Case for the pretribulation rapture. em HULTBERG, Alan (ed), Three Views ob the Rapture. Grand Rapids: Zondervan, 2010
[18] HULTBERG, Alan. A Case for the prewrath rapture em HULTBERG, Alan (ed), Three Views ob the Rapture. Grand Rapids: Zondervan, 2010. O termo pré-ira é mais preciso para esta posição do que mid-tribulacionismo. Ela afirma que o arrebatamento se dará entre a metade da tribulação e o retorno de Cristo.
[19] MONTEIRO, Rômulo. Vencendo vem Jesus. Em http://romulomonteiro.blogspot.com.br/2012/03/maranata.html. Acesso em 15/02/2013.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

A Escatologia e as Pré-Compreensões


No capítulo final do livro O Milenio, 3 pontos de vista, o Dr Darrell Bock faz uma magistral análise sobre a escatologia e as pré-compreensões. Segundo ele, pré-compreensões são “idéias teológicas subconscientes que temos como certas, quer as tenhamos examinado quer não” (pg. 247).
No estudo teológico, diria especialmente na escatologia, as pré-compreensões desempenham papel central, o que faz da consciência delas uma matéria de importante atenção. Bock explica que às vezes essas pré-compreensões nos tomam “quase à revelia”. Cremos nelas não pelo exame cuidadoso, mas por uma predisposição, por vezes, motivada por fatores não teóricos.
Alistarei aqui as principais pré-compreensões expostas por Darrell Bock no dito capítulo. Em cada um, farei algum comentário.

1)    Pré-compreensões de simplicidade
Bock demonstra que “podemos estar predispostos a argumentar ou até mesmo sentir que a articulação do plano de Deus, que é o mais simples em sua estrutura, seja a melhor” (pg. 248).
Geralmente, essa é uma pré-compreensão típica em amilenistas e pós-milenistas. A idéia é que, crendo-se no esquema volta de Cristo-eternidade, toda a discussão de uma mega estrutura, típica dos pré-milenistas, é evitada. De fato, não é incomum que se ouça argumentos do tipo “o pré-tribulacionismo é por demais complexo”, ou “prefiro o amilenismo pela sua simplicidade”.

2)    Pré-compreensão da soberania de Deus
Os pós-milenistas, por vezes, parecem supor que a soberania de Deus garante o avanço vitorioso do Evangelho. Textos como Isaías 55:11, que afirmam que a Palavra de Deus não volta vazia, e o texto de Mateus 28:19 parecem ser lidos nessa ótica.
Geralmente, essa pré-compreensão vem à luz quando se faz a típica réplica ao pós-milenista “por que não se vê o avanço do Evangelho?”. O apelo comum é para a soberania de Deus que, se Cristo nos mandou fazer discípulos de todas as nações, sua autoridade soberana garantirá a conquista da comissão.
No final das contas, todas as posições apelam a essa compreensão, pois todas afirmam que o plano escatológico é de Deus e, portanto, depende da sua soberania. Os pós-milenistas é que inclinam-se a igualar a soberania ao avanço do Evangelho e, por isso, essa pré-compreensão é bem mais destacada nesta posição.

3)    Pré-compreensão sobre o gênero apocalíptico
Não sei se concordo inteiramente com Bock de que “as expectativas do que o apocalíptico é” seja, de fato, uma pré-compreensão. É fato que a nossa leitura de Apocalipse depende de nossa compreensão do gênero apocalíptico. Mas parece difícil que alguém que possua uma compreensão da apocalíptica a tenha sem um exame cuidadoso, salvo os que nem sequer sabem o que é este gênero e, por isso, seguem sua intuição na leitura do último livro das Escrituras.
No entanto, Bock, corretamente, demonstra que faz toda a diferença a compreensão de se o livro de Apocalipse seja passado (pós-milenistas), presente em movimentos cíclicos (amilenistas), ou futuro (a maioria dos pré-milenistas).
É extremamente comum que pós-milenistas e amilenistas reclamem com pré-milenistas que sua posição é dependente do livro mais simbólico das Escrituras, e por isso não possui tanta credibilidade. Proporcionalmente, é comum que pré-milenistas reclamem de amilenistas que eles não são “literais” na leitura do texto apocalíptico.
Tudo isso, enfim, é dependente da pré-compreensão do gênero apocalíptico.

4)    Pré-compreensão sobre o tempo de cumprimento
Bock demonstra que no Novo Testamento há textos que parecem indicar a brevidade do cumprimento das profecias, e outros que enfatizam um senso de demora do fim. Pós-milenistas tendem a enfatizar os textos que apontam brevidade, enquanto amilenistas e pré-milenistas tendem a enfatizar o segundo grupo.
Parece-me que esta pré-compreensão é dependente de uma outra: o lugar dos eventos em torno da destruição do templo no ano 70 d.C. É possível que alguém, ao ver o quanto estes eventos encaixam-se no livro de Apocalipse, tenda a enfatizar a brevidade do tempo de cumprimento e abrace uma visão mais preterista. Da mesma forma, é possível que alguém, ao notar a dissonância entre a tribulação do primeiro século e a volta de Cristo “depois daqueles dias”, se apegue aos textos que enfatizam demora no cumprimento.

5)    Pré-compreensão sobre a natureza da eternidade
Eu diria que nenhuma pré-compreensão é tão poderosa quanto esta. Por vezes, uma compreensão grega sobre a natureza da vida eterna está tão historicamente enraizada em determinada tradição, que seus defensores modernos conseguem ler as Escrituras e encontra-la nos textos bíblicos, esquecendo-se que o Novo Testamento é bastante judaico em sua forma.
Esta pré-compreensão diz respeito ao seguinte. É a vida eterna uma realidade celestial, estática e superior ao terreno e material, ou é uma extensão desta vida terrena e física?
Os pré-milenistas acusam os amilenistas e pós-milenistas de possuírem uma pré-compreensão grega e não bíblica de que a realidade celestial é “superior” (platonisticamente falando) ao terreno. Por isso, Deus tem o seu Israel espiritual, sua Jerusalém celestial, um reino no céu.
No entanto, a expensa maioria dos pré-milenistas não estão livres de sua própria acusação. Afinal de contas, a co-habitação milenar de pessoas com corpos glorificados no céu e de pessoas com corpos materias na terra não reflete essa pré-compreensão grega? Eu desconfio, ou melhor, confio que há tanto ou mais do pensamento grego na tradição dispensacionalista do que em em qualquer outra. Por isso, todas as três posições escatológicas estão sujeitas a essa pré-compreensão.

Em conclusão, você pode estar se perguntando: E as questões quanto ao uso do AT no NT, ao lugar de Israel no plano de Deus, e à tipologia não são importantes para a compreensão escatológica? A resposta é sim, mas não são pré-compreensões, são compreensões hermenêuticas específicas. Sobre isso falarei na próxima ocasião.