No capítulo final do livro O Milenio, 3 pontos de vista, o Dr Darrell Bock faz uma magistral análise sobre a
escatologia e as pré-compreensões. Segundo
ele, pré-compreensões são “idéias
teológicas subconscientes que temos como certas, quer as tenhamos examinado
quer não” (pg. 247).
No estudo teológico, diria
especialmente na escatologia, as pré-compreensões desempenham papel central, o
que faz da consciência delas uma matéria de importante atenção. Bock explica
que às vezes essas pré-compreensões nos tomam “quase à revelia”. Cremos nelas não pelo exame cuidadoso, mas por
uma predisposição, por vezes, motivada por fatores não teóricos.
Alistarei aqui as principais
pré-compreensões expostas por Darrell Bock no dito capítulo. Em cada um, farei
algum comentário.
1) Pré-compreensões de simplicidade
Bock demonstra que “podemos estar predispostos a argumentar ou
até mesmo sentir que a articulação do plano de Deus, que é o mais simples em
sua estrutura, seja a melhor” (pg. 248).
Geralmente, essa é uma
pré-compreensão típica em amilenistas e pós-milenistas. A idéia é que,
crendo-se no esquema volta de
Cristo-eternidade, toda a discussão de uma mega estrutura, típica dos
pré-milenistas, é evitada. De fato, não é incomum que
se ouça argumentos do tipo “o
pré-tribulacionismo é por demais complexo”, ou “prefiro o amilenismo pela sua simplicidade”.
2) Pré-compreensão da soberania de Deus
Os pós-milenistas, por
vezes, parecem supor que a soberania de Deus garante o avanço vitorioso do Evangelho.
Textos como Isaías 55:11, que afirmam que a Palavra de Deus não volta vazia, e
o texto de Mateus 28:19 parecem ser lidos nessa ótica.
Geralmente, essa
pré-compreensão vem à luz quando se faz a típica réplica ao pós-milenista “por que não se vê o avanço do Evangelho?”.
O apelo comum é para a soberania de Deus que, se Cristo nos mandou fazer
discípulos de todas as nações, sua autoridade soberana garantirá a conquista da
comissão.
No final das contas, todas
as posições apelam a essa compreensão, pois todas afirmam que o plano
escatológico é de Deus e, portanto, depende da sua soberania. Os pós-milenistas
é que inclinam-se a igualar a soberania ao avanço do Evangelho e, por isso,
essa pré-compreensão é bem mais destacada nesta posição.
3) Pré-compreensão sobre o gênero
apocalíptico
Não sei se concordo
inteiramente com Bock de que “as
expectativas do que o apocalíptico é” seja, de fato, uma pré-compreensão. É
fato que a nossa leitura de Apocalipse depende de nossa compreensão do gênero
apocalíptico. Mas parece difícil que alguém que possua uma compreensão da apocalíptica a tenha sem um exame cuidadoso, salvo os que nem sequer sabem o
que é este gênero e, por isso, seguem sua intuição na leitura do último livro
das Escrituras.
No entanto, Bock, corretamente,
demonstra que faz toda a diferença a compreensão de se o livro de Apocalipse
seja passado (pós-milenistas), presente em movimentos cíclicos (amilenistas), ou
futuro (a maioria dos pré-milenistas).
É extremamente comum que
pós-milenistas e amilenistas reclamem com pré-milenistas que sua posição é
dependente do livro mais simbólico das Escrituras, e por isso não possui tanta
credibilidade. Proporcionalmente, é comum que pré-milenistas reclamem de
amilenistas que eles não são “literais” na leitura do texto apocalíptico.
Tudo isso, enfim, é
dependente da pré-compreensão do gênero apocalíptico.
4) Pré-compreensão
sobre o tempo de cumprimento
Bock demonstra que no Novo
Testamento há textos que parecem indicar a brevidade do cumprimento das
profecias, e outros que enfatizam um senso de demora do fim. Pós-milenistas
tendem a enfatizar os textos que apontam brevidade, enquanto amilenistas e
pré-milenistas tendem a enfatizar o segundo grupo.
Parece-me que esta
pré-compreensão é dependente de uma outra: o lugar dos eventos em torno da
destruição do templo no ano 70 d.C. É possível que alguém, ao ver o quanto
estes eventos encaixam-se no livro de Apocalipse, tenda a enfatizar a brevidade
do tempo de cumprimento e abrace uma visão mais preterista. Da mesma forma, é
possível que alguém, ao notar a dissonância entre a tribulação do primeiro
século e a volta de Cristo “depois
daqueles dias”, se apegue aos textos que enfatizam demora no cumprimento.
5) Pré-compreensão
sobre a natureza da eternidade
Eu diria que nenhuma
pré-compreensão é tão poderosa quanto esta. Por vezes, uma compreensão grega
sobre a natureza da vida eterna está tão historicamente enraizada em
determinada tradição, que seus defensores modernos conseguem ler as Escrituras
e encontra-la nos textos bíblicos, esquecendo-se que o Novo Testamento é bastante judaico em sua forma.
Esta pré-compreensão diz
respeito ao seguinte. É a vida eterna uma realidade celestial, estática e
superior ao terreno e material, ou é uma extensão desta vida terrena e física?
Os pré-milenistas acusam os
amilenistas e pós-milenistas de possuírem uma pré-compreensão grega e não
bíblica de que a realidade celestial é “superior” (platonisticamente falando) ao terreno. Por isso, Deus tem o seu
Israel espiritual, sua Jerusalém celestial, um reino no céu.
No entanto, a expensa
maioria dos pré-milenistas não estão livres de sua própria acusação. Afinal de
contas, a co-habitação milenar de pessoas com corpos glorificados no céu e de pessoas
com corpos materias na terra não reflete essa pré-compreensão grega? Eu
desconfio, ou melhor, confio que há tanto ou mais do pensamento grego
na tradição dispensacionalista do que em em qualquer outra. Por isso, todas as
três posições escatológicas estão sujeitas a essa pré-compreensão.
Em conclusão, você pode
estar se perguntando: E as questões quanto ao uso do AT no NT, ao lugar de
Israel no plano de Deus, e à tipologia não são importantes para a compreensão
escatológica? A resposta é sim, mas não são pré-compreensões, são compreensões hermenêuticas específicas. Sobre isso falarei na próxima ocasião.